domingo, 14 de junho de 2009

duas taças de Baudelaire, mas sem gelo por favor


Considerado o pai do simbolismo na França, o poeta "maldito" e crítico de arte francês Charles Baudelaire (1821-1867), entre outros textos, publicou Les Fleurs du Mal ("As Flores do Mal") em 1857, talvez, seu livro mais controverso e que inaugura a modernidade na literatura. Foi, inclusive, condenado por ofensa à moral pública na França. Os juízes o obrigaram a pagar uma multa e viu retirado deste livro seis poemas para que pudesse publicá-lo. Onze anos após o ocorrido, tais poemas voltaram a integrar sua obra, isto na sua primeira edição póstuma. Cuidado! Os artistas morrem, mas não suas grandes obras.


Deixo aqui dois poemas para degustação. Respectivamente, um do livro Petites Poèmes en Prose ("Pequenos Poemas em Prosa", de 1862) _ curiosidade: o texto é citado no "Poema da Necessidade", in Sentimento do Mundo de 1940, pelo poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) _ e outro consta em "Flores do Mal" (que foi um de seus poemas proibidos).



EMBRIAGUEM-SE


É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.


Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.


E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.



A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE


Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.


A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.


As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.


Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!


Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;


E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.


Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!*


*Tradução de Ivan Junqueira.


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